terça-feira, 28 de agosto de 2012

Jesus, o sacerdote e mediador de uma nova aliança




O evangelho narrado por João deixa bem claro que Deus amou o mundo ao ponto de elaborar um plano para a redenção do homem que estava condenado a morte por conta do pecado. Por isso o apóstolo utiliza-se muito da expressão ‘vida eterna’ ao referir-se ao benefício proporcionado ao homem por meio da obra de Jesus Cristo (o termo aparece 17 vezes no evangelho e 6 vezes na sua primeira carta - 1ª João, os outros 3 evangelhos juntos utilizam 8 vezes esta expressão). A situação do homem era tão grave que ao descrevê-la, João utiliza palavras tão pesadas que nos assustam, veja: ‘amaram as trevas’, ‘andam nas trevas’, 'uma vida de profunda escuridão' (total ignorância quanto ao Criador, o único Deus verdadeiro), ‘escravo do pecado’ (totalmente dominado pela iniquidade e sem opção de escape ou libertação).

O plano de redenção divino envolvia o próprio Filho, que se encarnaria e viveria uma vida que resplandeceria a glória do próprio Deus, uma vida sem pecado, e que se entregaria voluntariamente, como uma oferta perfeita para a expiação de pecado de uma vez por todas, ao qual damos o nome de ‘sacrifício vicário’, ou substitutivo, ou seja, Jesus assumindo a culpa pelo pecado do homem para que esse tenha paz com Deus e desfrute da vida e não viva mais aterrorizado com a morte, para que viva e ande na luz e não mais nas trevas, para que encontre liberdade e não mais escravidão. Tudo isso foi planejado, arquitetado nos mínimos detalhes, e o próprio Senhor Jesus nos conta que todas as Escrituras falavam ao seu respeito, sobre a sua obra voluntária. Não houve acaso, sorte, circunstâncias que lhe favoreceram ou desfavoreceram, Jesus veio na plenitude dos tempos nos trazer vida eterna por meio da sua vida, morte e ressurreição. 

Agora vamos imaginar a situação dos discípulos. Eles reconheceram que Jesus era o Messias, ou o Cristo. Entretanto eles não entenderam em nenhum momento a necessidade da morte de Jesus. Pedro, o mais atrevido dos discípulos, chegou a censurá-lo (Senhor, tem compaixão de ti mesmo!). Jesus, consciente do abatimento que acarretaria aos seus discípulos, ele se propõe a expor detalhadamente o momento da sua morte que se aproximava, mostrando a importância deste evento e que ele não seria derrotado pela morte, mas que ressurgiria. Jesus anuncia também a vinda do Consolador, do Espírito Santo, aquele que os faria lembrar de todo o ensino de Jesus e lhes concederia poder para proclamarem as boas novas de salvação a todos os homens a fim de que se arrependam e também compartilhem da ‘vida eterna’. É isso que Jesus se dedicou a ensinar, conforme narra os capítulos 14 a 16 do evangelho escrito por João, que encerra com a oração de Jesus no capítulo seguinte. Jesus queria que seus discípulos soubessem com antecedência o que estava por acontecer, e que com isso se alegrassem. Não com a morte iminente de Jesus propriamente dita, mas com os benefícios de seu sacrifício, com o plano amoroso e misericordioso de Deus, com a promessa do Espírito Santo que seria enviado sobre a Igreja, com a esperança da ressurreição, tanto a de Jesus no terceiro dia após sua morte, como a de todos os que creram em seu nome a ser concretizada no grande ‘Dia do Senhor’. Uma alegria completa, esse é o desejo de Jesus aos seus discípulos, que eles ‘fiquem cheios de sua alegria’. 

A oração sacerdotal de Jesus

O texto deixa claro que Jesus orou diante dos seus discípulos, logo após um longo discurso sobre o que ocorreria em breve, antes dos momentos de aflição do Getsêmani. O foco da oração é que ‘a hora é chegada’! A conclusão da obra salvadora de Jesus se aproxima e o momento é um misto de alegria e apreensão, alegria por que o dia da salvação se aproximava e tristeza por que o sofrimento que ele estava por enfrentar era inevitável.  Na oração de Jesus não existe espaço para o acaso, mas apenas para certezas e segurança.

A oração de Jesus é composta por 3 momentos sucessivos: o primeiro é referente ao seu ministério que está próximo de ser concluído, invocando sua missão na terra e recordado o seu sucesso, pois o Filho havia revelado o Pai aos seus discípulos; no segundo momento a oração passa a ter em foco os seus discípulos, todos aqueles que haviam crido e que agora haveriam de o honrar (representar) através de suas vidas (obras e virtudes), ainda que haveriam de enfrentar muita oposição do mundo; e no último momento Jesus ora por aqueles que haveriam de crer, seja num futuro próximo (a Igreja de Atos) ou num futuro mais distante (a Igreja de hoje), uma Igreja que deveria estar comprometida com a verdade do evangelho, vivendo em santidade e testemunhando Jesus ao mundo por meio da unidade de seus membros.

A oração de Jesus nos permite observar dois aspectos importantes, o primeiro é o aspecto sacerdotal de Jesus, o mediador entre Deus e o homem, já o segundo é a manifestação da vontade de Jesus para os seus seguidores, a unidade da sua Igreja.

Jesus é o único mediador entre Deus e o homem. O livro de Hebreus apresenta Jesus como o Mediador de uma Aliança superior e definitiva entre Deus e o homem, e por 18 vezes afirma que Jesus é o nosso sumo sacerdote. Ao contrário dos demais sacerdotes, Jesus é sacerdote para sempre, sua oferta pelo pecado foi perfeita e aceitável não havendo mais necessidade de outros sacrifícios complementares, ele é o sacerdote das nossas confissões e se compadece de nós.

A oração sacerdotal nos mostra Jesus exercendo esse ofício e fazendo a mediação entre nós e Deus. Aquilo que fora impossível por conta dos nossos pecados, agora se torna uma realidade próxima de cada um de nós, a aproximação do ‘trono da graça de Deus’, a entrada no ‘Santo dos Santos’, ou seja, a aproximação de Deus por meio da obra de Jesus. Jesus trouxe paz, reconciliação, e agora podemos desfrutar de uma nova realidade de vida.

De certa forma, essa reconciliação com Deus por meio de Jesus Cristo fez com que nós perdêssemos nossa identidade com o mundo em rebelião e que rejeita o governo de Deus. Neste sentido nós ‘não somos do mundo’, assim como o próprio Senhor Jesus, passamos a ser cidadão dos céus, do Reino de Deus, comprometidos com seus valores e sua justiça.

Essa verdade nos leva para outro aspecto da oração de Jesus, a sua vontade revelada a nós. A vontade de Jesus revelada é a unidade do seu povo, dos seus discípulos, da sua Igreja. A comunhão a qual se refere o Senhor Jesus tem como modelo de referência a própria Trindade, a comunhão do Pai com o Filho é um modelo para a comunhão dos cristãos. E essa vontade de Jesus se desdobra tanto no aspecto da nossa identidade como no aspecto da nossa missão. Se por um lado devemos estar unidos com nossos irmãos por meio de Cristo, o nosso vínculo da paz, por outro lado, devemos estar unidos com os nossos irmãos por que essa é a forma que Jesus escolheu para tornar o seu evangelho conhecido. 

Explico melhor. Agora como filhos de Deus, unidos com Ele por meio de Cristo, devemos olhar, amar e caminhar com o nosso próximo que professa a fé no mesmo Senhor. Isso faz parte de nossa identidade uma vez que agora fazemos parte desta grande família, o povo de Deus, e ao mesmo tempo o desenvolvimento da nossa salvação (nossa santificação, ou libertação do pecado) está estreitamente ligado à vida em comunidade, na qual confirmamos nossa confissão e nos socorremos mutuamente. Caminhando junto, esse processo revelará coerência entre o nosso discurso como cristão e a nossa prática diária, e  uma forma muito graciosa, fará o mundo perceber com mais clareza o evangelho (uma espécie de encarnação) e ver sinais do reino de Deus se manifestando.

E aqui temos dois exemplos do nosso cotidiano para desbravar. De um lado temos a experiência diária do acolhimento, ou hospitalidade. E do outro a experiência também diária do perdão dos pecados. Ao mesmo tempo em que fomos acolhidos por Deus como filhos e inseridos na sua família, devemos promover o mesmo com o nosso próximo. A empatia, a etnia, o gênero, a posição social, ou qualquer outro elemento de acepção de pessoas não deve ser estimulado ou tolerado por nós. E essa deve ser uma realidade tanto comunitária quanto pessoal, da mesma forma que eu fui acolhido por Deus eu devo acolher o outro cristão. Eu preciso abrir as portas da minha casa!

Já em relação ao perdão de pecados, não existe justificativa plausível para retermos o perdão, uma vez que todos nós fomos perdoados e aceitos pelo Pai na sua comunhão. Nós que antes éramos inimigos, fomos feitos amigos íntimos de Jesus. Jesus é claro sobre o assunto, na oração do Pai Nosso, assim como na parábola do servo impiedoso, na exortação a Pedro, e em tantas outras referências, notamos que a dificuldade não deve ser uma desculpa para o conformismo, ou a indiferença para com esse mandamento, mas devemos nos lembrar que o nosso novo padrão de relacionamento é a Trindade!

Eu não gostaria de ser leviano e dizer que perdoar o meu próximo é uma tarefa simplista. Não, pelo contrário. Mas sem dúvida nenhuma ela é libertadora! Porém na própria oração sacerdotal Jesus nos mostra que o nosso maior desafio para a unidade é a impureza nas nossas vidas, esse é o nosso maior empecilho. Por isso Jesus ora para que seus discípulos sejam santificados, e isso se dá por meio da palavra de Deus, conhecendo a vontade de Deus e se dedicando a sua prática.

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