segunda-feira, 26 de julho de 2010

Afinal de contas, o que é amor?



Não é de hoje que a compreensão da palavra amor é um pouco confusa. No português a palavra amor significa o sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa. Porém essa definição alcança desdobramentos que nos dificulta a entender e classificar os diferentes tipos de sentimento que temos pelas pessoas e suas implicações, por fim acabamos a reduzir tudo na palavra amor.

No grego tem quatro palavras distintas para o amor: ágape, philia, eros e storgé. Entretanto, como acontece com outras línguas, fica difícil separar os significados destas palavras. No Novo Testamento aparecem apenas duas dessas palavras: ágape e philia, referindo-se ao amor. A distinção das palavras tem como sugestão a diferença entre o amor natural do homem (philia) e o amor de Deus (ágape).

O apóstolo João diz em sua primeira carta que “Deus é amor” (1 Jo 4:8). João está dizendo que amor é um dos atributos de Deus, que o amor emana de Deus e jorra sobre a humanidade. Porém, o amor não é Deus, essa conclusão seria uma usurpação deste atributo de Deus e nos levaria a loucura de dizer alguns slogans “tudo por amor”, “toda forma de amor é válida”, “no amor não existem regras”, “o amor é puro”, “o amor é divino”, entre tantos outros.

Lewis vai dizer que “o amor só deixa de ser um demônio quando deixa de ser um Deus”. Todo amor humano, em seu auge, tende a reivindicar para si uma autoridade divina. Sua voz tende a soar como se fosse à vontade do próprio Deus.

O homem foi criado a semelhança de Deus (Gn 1:27), e em certo sentido podemos dizer que o amor nos assemelha a Deus. Quem ama está perto de Deus! Mas não podemos confundir essa proximidade como acesso a Deus. Quem ama se parece com Deus que é amor, porém não significa necessariamente que tem acesso a Deus.

C. S. Lewis vai se utilizar as quatro palavras gregas para dividir o amor em 4 categorias: afeição, amizade, eros, e caridade. Esse trabalho de Lewis foi importante, pois nos ajuda a entender melhor o conceito do amor e suas implicações vejam:

· Afeição (fraternal, storgé - στοργη) é o afeto com a família, especialmente entre os membros da família ou pessoas que se encontraram de outra maneira por acaso. É descrita como o mais natural, emotiva, e difundida forma do amor.

· Amizade (philia, φιλια) é uma forte ligação entre pessoas que compartilham um interesse ou uma vida comum. Lewis explicitamente diz que sua definição de amizade é mais estreita do que o mero companheirismo.

· Eros (έρως) é o amor no sentido de “estar no amor”, o amor romântico entre um homem e uma mulher.

· Caridade (ágape, αγαπη) é um amor altruísta, desinteressado, que busca o bem do próximo, dirigido a alguém que não depende de nenhuma qualidade adorável que o objeto do amor possui. Lewis reconhece este como o maior dos amores, e vê-o como uma virtude especificamente cristã.

Os três primeiros tipos de amor listados são chamados de amores naturais, e insuficientes em si mesmos, eles precisam de algo mais. O amor de Deus (amor absoluto), a caridade, permite que os demais amores permaneçam e que cumpram seus votos.

“O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” 1 Co 13:4-7

“o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado.” Rm 5:5

Os dois textos acima são do apóstolo Paulo e nos falam deste amor de Deus (ágape, caridade). Podemos perceber no primeiro texto que o amor ao qual Paulo se refere serve como orientação para a expressão do nosso amor, falam da beleza deste amor e o quanto ele é desejado. Já o segundo texto nos diz que da mesma forma que provamos desse amor de Deus, Ele mesmo derrama esse dom (capacitação) sobre nós e permite que possamos buscar sua manifestação nos nossos relacionamentos cotidianos.

A definição de amor que o cristianismo traz ajuda a compreender melhor esse sentimento muitas vezes contraditório, responsável por atos tão nobres e tão vergonhosos. O amor nos assemelha a Deus, mas não necessariamente nos deixa próximos de Deus. O amor pode nos assediar com a idolatria. O amor é bom, mas devemos tomar cuidado, pois ele pode passar a ser um demônio no instante que passa a ser um deus para nós.

O amor altruísta de Deus deve ser buscado ardentemente por nós e ser inserido nos nossos relacionamentos, ele orienta e dignifica nossos amores, nos faz buscar a vontade de Deus e se interessar pelos desprezados.

Referência: C. S. Lewis. Os Quatro Amores. Editora Martins Fontes.

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